quarta-feira, 23 de abril de 2008

A CONSCIÊNCIA MÍTICA

por Conceição Serralha


- Semelhanças entre os relatos dos mitos => curiosidade, desobediência e advento de uma castigo.
MITO
Leitura superficial => mito como uma maneira fantasiosa de explicar uma realidade que ainda não foi abarcada racionalmente. Preconceito comum = identificação com lendas ou fábulas (forma menor de explicação dos acontecimentos do mundo, que logo será superada pelas explicações mais racionais).
Leitura apurada => o mito não é exclusividade do primitivismo. Existe em todo tempo e cultura como forma de compreensão da realidade. Possui diversas conotações.

O MITO ENTRE OS PRIMITIVOS

Mito vivo => surge como “verdade intuída”, espontânea e sem comprovações. Baseado na crença e não na evidência racional. É uma intuição compreensiva da realidade (semelhante à das crianças).

Raízes do mito => realidade vivida pré-reflexiva das emoções e da afetividade. Fantasia, imaginação => antes de interpretar o mundo, o homem o deseja ou o teme, indo de encontro a ele ou ocultando-se dele. Desejo de dominar o mundo, afugentando a insegurança, os temores e a angústia diante do desconhecido e da morte.

Funções do mito:

· Acomodar e tranqüilizar o homem em relação ao mundo assustador (primordial).
· Explicar a realidade.

Primeiros modelos de construção do real => têm uma natureza sobrenatural => os deuses são criados e chamados para apaziguar a aflição do homem diante do que ele não consegue compreender e controlar. Nada é natural, tudo é sagrado.

Festas religiosas => há a ritualização do evento sagrado que aconteceu “no começo” (passado mítico).

Ritos => necessidade dos ritos para que os fatos possam se concretizar. Maneira mágica de agir sobre o mundo.

Consciência mítica => consciência comunitária = o homem não se percebe como sujeito propriamente dito. Não comanda a sua própria ação, sua experiência não se separa da experiência da comunidade, mas se faz por meio dela.
A consciência mítica é dogmática, ingênua, porque não critica. Aceita os mitos e rituais sem contestação, pela fé.

Equilíbrio individual => o coletivo prepondera sobre o individual.

Moral dogmática => adaptação do indivíduo sem crítica às normas tradicionais. Transgressão da norma => ultrapassa quem a violou, podendo atingir a família e até a tribo. Por isso, os “ritos de purificação”.

Religião => sempre ligada a elementos míticos. Fases na formação do conceito de deuses:

1) Deuses momentâneos => excitações instantâneas. Fonte => emoção subjetiva marcada pelo medo. Não são forças da natureza, nem aspectos da vida humana. Podem ser conteúdos mentais (Alegria, Inteligência etc.) ou objeto da realidade percebido como sido enviado do Céu.
2) Deus funcional => é descoberta a individualidade do divino, os elementos pessoais do sagrado. Esse deus vigia cada etapa do trabalho dos homens e é chamado para protegê-los. Há a prática de rituais e a fé na magia, fazendo o homem confiar em si mesmo. O homem não se vê mais a mercê das forças naturais e acha que o que acontece é dependente também dos atos humanos. Magia usada tanto para o bem quanto para o mal, pois não estava ligada a princípios éticos.
3) Deus pessoal => o deus perde a ligação com uma determinada atividade e torna-se um nome próprio => é um ser que se desenvolve segundo as suas próprias leis. Age e sofre como os homens e seus nomes expressam sua natureza, seu poder e sua eficiência.

Religiões monoteístas => decorrentes do desenvolvimento da 3ª fase e de forças morais (bem e mal). Natureza abordada pelo racional. Divino => deixa de ser concebido por poderes mágicos e passa a ser enfocado pelo poder da justiça. O sentido ético substitui o sentido mágico.

Atualidade => a nova forma de compreender o mundo dessacraliza o pensamento e a ação, retirando-lhe o caráter de sobrenaturalidade.

Mito do cientificismo => crença na ciência como única forma de saber. Cria outros mitos => progresso => tecnocracia.

Mito => ponto de partida para a compreensão do ser, Os pressupostos míticos servem de base para o trabalho posterior da razão.

Mito e razão => complementam-se mutuamente.

Reflexão => permite a rejeição dos mitos prejudiciais.

PASSAGEM DA CONSCIÊNCIA MÍTICA PARA A CONSCIÊNCIA FILOSÓFICA

- Grandes nomes como Confúcio, Lao Tse, Buda, Zaratustra ainda não estavam muito vinculados à religião.

- Primeiros filósofos => gregos.


CONCEPÇÃO MÍTICA

Aedos e Rapsodos => cantores ambulantes que transmitiam os mitos oralmente. Não existia preocupação com a autoria, pois o anonimato era conseqüência do coletivismo. Não existia a escrita.

Epopéias => função didática, descrevendo o período da civilização micênica e transmitindo valores de cultura por meio de histórias dos deuses e antepassados, expressando uma concepção de vida.
Relatam ações heróicas e a intervenção dos deuses. O herói depende dos deuses e do destino => falta-lhe livre arbítrio. É valorizado por ter livre arbítrio. É valorizado por ter sido eleito pelos deuses. Virtudes do herói => coragem, força e persuasão.
Ilíada (Guerra de Tróia) e Odisséia (retorno de Ulisses-Odiseus após a guerra). Pelo estilo diferente, intérpretes dizem que são obras de vários autores e não de Homero (séc. IX a.C.?), que não sabem nem se existiu.

Teogonia (teo= deus; gonia = origem).
Hesíodo (séculos VIII e VII a.C.) => obra com particularidades, menos impessoal e coletiva, mas ainda preocupada com a crença nos mitos. Relata as origens do mundo e dos deuses; as forças não são a pura natureza, mas emanam das próprias divindades.


CONCEPÇÃO FILOSÓFICA

Primeiros filósofos => fins do século VII a.C. e século VI a.C. Algumas interpretações:

1) “Milagre Grego” => visão simplista e a-histórica da passagem do pensamento mítico para o pensamento crítico racional e filosófico.
2) Racionalidade crítica => resultado de um processo lento através do tempo, preparado pelo passado mítico.

Novidades do período arcaico que ajudaram a transformar a visão do homem de si e do mundo:

· Escrita => a escrita fixa a palavra e exige maior rigor e clareza, estimulando o espírito crítico. A retomada do que foi escrito possibilita => abrir os horizontes do pensamento, o distanciamento do vivido, o confronto de idéias, a ampliação da crítica. Maior abstração, que tende a modificar a estrutura do pensamento. A consciência mítica predomina nas culturas de tradição oral, que fixa o evento por meio da memória pessoal. Grécia => século VIII a.C. => influência dos fenícios. Os escritos passam a ser divulgados em praça pública, sujeitos à discussão e à crítica.
· Moeda = papel revolucionário, vinculada ao nascimento do pensamento racional, emitida e garantida pela Cidade, revertendo benefícios para a própria comunidade. Ela sobrepõe aos símbolos sagrados e afetivos o caráter racional de sua concepção; é um artifício racional, uma convenção humana, uma noção abstrata de valor que estabelece a medida comum entre valores diferentes. Comércio => produtos com valor de uso passam a ter valor de troca, tornando-se mercadorias. Necessidade de algo que funcionasse como valor equivalente universal das mercadorias.
· Lei escrita => a justiça sai da arbitrariedade dos reis ou da interpretação da vontade divina. É codificada numa legislação escrita, uma regra comum, uma norma radical, sujeita a discussão e modificação; dimensão humana. Primeiros legisladores = Drácon (séc. VII a.C.) e Sólon e Clístenes (sec. VI a.C.). Clístenes => funda a pólis, não mais baseada em relação de consangüinidade, mas por uma organização administrativa. Ideal igualitário que prepara a democracia, abolindo a hierarquia do poder aristocrático das famílias.
· Cidadão da Pólis => surge da instauração da ordem humana. O nascimento da Pólis altera a vida social e as relações entre os homens. Cidade grega => centralizada na ágora (praça pública) onde são debatidos os problemas de interesse comum. Separa-se o domínio público do privado, com justa distribuição dos direitos dos cidadãos enquanto representantes dos interesses da cidade.

Novo ideal de justiça => todo cidadão tem direito ao poder. Caráter político e não apenas moral; atuação na comunidade. A Polis se faz pela autonomia da palavra humana, do conflito, da discussão, da argumentação. O saber deixa de ser sagrado e passa a ser objeto de discussão.

Política => surge da expressão da individualidade por meio do debate. O cidadão da Polis participa dos destinos da cidade por meio do uso da palavra em praça pública.

Isonomia => igual participação de todos os cidadãos no exercício do poder. Mas, na democracia ateniense (séc. V a.C.) apenas 10% eram considerados cidadãos propriamente ditos, capacitados a decidir por todos.

Sofistas => “sábio” ou “professor de sabedoria”. Pedagogos => sistematização do ensino. Filósofos itinerantes, vindos das colônias gregas. Eram pessoas estudadas, versadas em determinado assunto e ganhavam a vida em Atenas ensinando os cidadãos. Rejeitavam tudo o que consideravam especulação filosófica desnecessária. Eram céticos. Dedicavam-se à questão do homem e de seu lugar na sociedade. Acreditavam que não havia normas absolutas para o certo e o errado. Discutiam sobre o que seria “natural” e o que seria ‘criado pela sociedade” => criaram as bases para uma crítica social.
Primeiros filósofos => século VI a.C., pré-socráticos => escreviam em prosa. Seus escritos desapareceram com o tempo. Elaboravam uma cosmogonia, procurando a racionalidade do universo. Procuram o “princípio” de todas as coisas, o “fundamento do ser”. Buscam arché => o elemento constitutivo de todas as coisas.
Diferença entre pensamento mítico e filosofia nascente => os filósofos divergem entre si e a filosofia se distingue da tradição dogmática dos mitos oferecendo uma pluralidade de explicações possíveis.
Conford => a “atitude” do filósofo o distingue do homem mítico, mas o “conteúdo” da filosofia permanece semelhante ao do mito, aproximando-se dele.

Passagem do mito à razão => continuidade no uso comum de certas estruturas de explicação.